UMA OUTRA REALIDADE
Julien Levy, influente marchand e coleccionador de arte do séc. XX, ao editar um livro intitulado O Surrealismo, previu o movimento neo-surrealista emergente do movimento Pop Art neo-Dada de 60. Até certo ponto, a sua profecia tornou-se realidade, mais concretamente naquilo que refere à fotografia. Neste campo, a influência dos surrealistas pode ser vista no que concerne aos enigmas do espaço e luz, fantasmagoria, sonhos metafóricos e conceitos.
Para André Breton, líder filosófico do movimento de 1930, a ambiguidade era de suprema importância, evocando objectos, identidades e situações indefinidas, choque e absurdo. Dentro deste novo conceito inúmeros artistas foram nascendo, nas mais variadas expressões e técnicas, nomeadamente na fotografia.
O número de praticantes desta última, aumentou incrivelmente desde a sua invenção, mas muito poucos conseguiram atingir reconhecimento mundial.
RALPH GIBSON
é um desses raros casos.
Nascido em 1939 na cidade de Los Angeles e filho de um empregado da Warner Brothers, Gibson aprendeu fotografia na adolescência durante o seu recrutamento na marinha. Em seguida mudou-se para San Francisco onde estudou por um breve período no Instituto de Arte de San Francisco e trabalhou como assistente de Dorothea Lange. Em 1963 regressa a L.A. e começa a trabalhar como fotógrafo freelance. Em 1966 vai para Nova Iorque e torna-se assistente de Robert Frank no filme Me and My Brother. As suas fotografias nesta fase eram no género documental, nitidamente influenciadas por Frank, Henri Cartier-Bresson e William Klein. É neste período que ele produz o seu primeiro trabalho The Strip em formato de livro, mas só com o The Somnambulist em 1970, também neste formato e publicado pela sua Lustrum Press, Gibson conseguiu alcançar a fama. Esta obra sugere a utopia dos sonhos numa surrealidade concebida por meio de cortes e justaposição de imagens, sombras, reflexos e grão.
Esta tendência trouxe-lhe fama, fortalecendo o seu compromisso com o estilo de livro fotográfico e adquirindo assim a possibilidade de viajar. Imagens eróticas, combinando o sentido intimista com um ousado toque de incongruência (Days at Sea 1974) foram sempre uma referência, sempre mantendo Gibson numa perspectiva muito própria.
Ralph Gibson, fez uma trilogia dos seus livros sequenciais entre 1970 e 1974, que sugerem estados de espírito na tradição surrealista.
As suas imagens são sensuais e misteriosas, situadas numa realidade onírica mas quase sempre paralela com a mundana. Na introdução para o The Somnambulist, ele escreveu: «Durante o sono, o sonhador aparece num qualquer ponto do planeta, tornando-se pelo menos em dois homens. Os seus sonhos enquanto dorme providenciam a substância dessa realidade, enquanto os seus sonhos acordado se tornam naquilo que ele imaginou para a sua vida... Chamado por si próprio, esse outro homem (O que Dorme) para que regresse a um vasto mundo de luz e pleno de verdade, ao que ele aceita sem hesitação... Claridade é tudo o que qualquer homem busca, e este Sonambulista simplesmente encontra a sua no Outro Lado.»
Estas ideias, indubitavelmente descansam sobre o mote surrealista de Breton para descobrir «o mais real do que o mundo real por trás do real.» Gibson coloca o sonhador em dois mundos de sonho; o mundo do sonho acordado da realidade consciente e o outro mundo do sonho inconsciente. Ele torna-se numa dualidade, dividido mas inclinando-se sobre o simbólico mundo da sua cama, onde uma interior claridade pode ser encontrada. É com efeito, a introspecção psicológica que os surrealistas re-definem sob a influência de Freud. O seu objectivo era unir finalmente a realidade do sonho com a realidade acordada, de forma a que um todo ou uma só realidade pudesse ser mantida. É notório que os métodos e técnicas surrealistas foram adoptados por Ralph Gibson.
Podemos comparar a sua fotografia à escrita automática, onde símbolos ambíguos e uma tensão entre a moldura e a sequência servem para desorientar o público, elevando-o a um nível fora do alcance da visão programada do mundo. A metáfora, o fetiche e os objectos ambíguos empregados por si, são antigos mecanismos literários e visuais a que os surrealistas recorrem para sugerir os mistérios do inconsciente. A parábola, a alegoria e a fábula estão também entre eles.
Embora as fotografias de Gibson acumulem metáforas à realidade do sonho, individualmente, muitas são fetiches Dadaístas. Contudo, é apenas um fragmento, pois o fetiche é um objecto de reverência com poderes mágicos que representa mais do que o todo do qual é uma parte. «Menos é mais» é a filosofia de Gibson e isso é visível no conteúdo minimalista das suas imagens. A lógica desta filosofia ganhou maior expressão com Quadrants, uma série que criou uma noção mais exacta do poder de espaço e escala na fotografia. Um botão no estômago de uma mulher obesa, um fato que veste um manequim sem cabeça diante de uma montra, a parte de trás do pescoço de um homem, um pedaço de uma parede de cimento projectada no espaço, parte de um rosto dissecado pela sombra, uma mão ou a margem da fotografia, ela própria desorientada, repelida, que dirige a atenção do espectador para o poder extra-sensorial da redução.
Este conceituado fotógrafo, que já conta 40 anos de carreira, continua ainda hoje a fascinar-se com detalhes e texturas de corpos e objectos, trabalhando com alguma frequência os close-up.
Após uma breve para pausa, Gibson regressou em 2008 e brindou os seus admiradores e amantes da fotografia em geral com uma colecção de nús, revelando com a sua peculiar perspectiva que o p&b será sempre uma expressão contemporânea.
Miguel Baganha
Para André Breton, líder filosófico do movimento de 1930, a ambiguidade era de suprema importância, evocando objectos, identidades e situações indefinidas, choque e absurdo. Dentro deste novo conceito inúmeros artistas foram nascendo, nas mais variadas expressões e técnicas, nomeadamente na fotografia.
O número de praticantes desta última, aumentou incrivelmente desde a sua invenção, mas muito poucos conseguiram atingir reconhecimento mundial.
RALPH GIBSON
é um desses raros casos.
Nascido em 1939 na cidade de Los Angeles e filho de um empregado da Warner Brothers, Gibson aprendeu fotografia na adolescência durante o seu recrutamento na marinha. Em seguida mudou-se para San Francisco onde estudou por um breve período no Instituto de Arte de San Francisco e trabalhou como assistente de Dorothea Lange. Em 1963 regressa a L.A. e começa a trabalhar como fotógrafo freelance. Em 1966 vai para Nova Iorque e torna-se assistente de Robert Frank no filme Me and My Brother. As suas fotografias nesta fase eram no género documental, nitidamente influenciadas por Frank, Henri Cartier-Bresson e William Klein. É neste período que ele produz o seu primeiro trabalho The Strip em formato de livro, mas só com o The Somnambulist em 1970, também neste formato e publicado pela sua Lustrum Press, Gibson conseguiu alcançar a fama. Esta obra sugere a utopia dos sonhos numa surrealidade concebida por meio de cortes e justaposição de imagens, sombras, reflexos e grão.
Esta tendência trouxe-lhe fama, fortalecendo o seu compromisso com o estilo de livro fotográfico e adquirindo assim a possibilidade de viajar. Imagens eróticas, combinando o sentido intimista com um ousado toque de incongruência (Days at Sea 1974) foram sempre uma referência, sempre mantendo Gibson numa perspectiva muito própria.
Ralph Gibson, fez uma trilogia dos seus livros sequenciais entre 1970 e 1974, que sugerem estados de espírito na tradição surrealista.
As suas imagens são sensuais e misteriosas, situadas numa realidade onírica mas quase sempre paralela com a mundana. Na introdução para o The Somnambulist, ele escreveu: «Durante o sono, o sonhador aparece num qualquer ponto do planeta, tornando-se pelo menos em dois homens. Os seus sonhos enquanto dorme providenciam a substância dessa realidade, enquanto os seus sonhos acordado se tornam naquilo que ele imaginou para a sua vida... Chamado por si próprio, esse outro homem (O que Dorme) para que regresse a um vasto mundo de luz e pleno de verdade, ao que ele aceita sem hesitação... Claridade é tudo o que qualquer homem busca, e este Sonambulista simplesmente encontra a sua no Outro Lado.»
Estas ideias, indubitavelmente descansam sobre o mote surrealista de Breton para descobrir «o mais real do que o mundo real por trás do real.» Gibson coloca o sonhador em dois mundos de sonho; o mundo do sonho acordado da realidade consciente e o outro mundo do sonho inconsciente. Ele torna-se numa dualidade, dividido mas inclinando-se sobre o simbólico mundo da sua cama, onde uma interior claridade pode ser encontrada. É com efeito, a introspecção psicológica que os surrealistas re-definem sob a influência de Freud. O seu objectivo era unir finalmente a realidade do sonho com a realidade acordada, de forma a que um todo ou uma só realidade pudesse ser mantida. É notório que os métodos e técnicas surrealistas foram adoptados por Ralph Gibson.
Podemos comparar a sua fotografia à escrita automática, onde símbolos ambíguos e uma tensão entre a moldura e a sequência servem para desorientar o público, elevando-o a um nível fora do alcance da visão programada do mundo. A metáfora, o fetiche e os objectos ambíguos empregados por si, são antigos mecanismos literários e visuais a que os surrealistas recorrem para sugerir os mistérios do inconsciente. A parábola, a alegoria e a fábula estão também entre eles.
Embora as fotografias de Gibson acumulem metáforas à realidade do sonho, individualmente, muitas são fetiches Dadaístas. Contudo, é apenas um fragmento, pois o fetiche é um objecto de reverência com poderes mágicos que representa mais do que o todo do qual é uma parte. «Menos é mais» é a filosofia de Gibson e isso é visível no conteúdo minimalista das suas imagens. A lógica desta filosofia ganhou maior expressão com Quadrants, uma série que criou uma noção mais exacta do poder de espaço e escala na fotografia. Um botão no estômago de uma mulher obesa, um fato que veste um manequim sem cabeça diante de uma montra, a parte de trás do pescoço de um homem, um pedaço de uma parede de cimento projectada no espaço, parte de um rosto dissecado pela sombra, uma mão ou a margem da fotografia, ela própria desorientada, repelida, que dirige a atenção do espectador para o poder extra-sensorial da redução.
Este conceituado fotógrafo, que já conta 40 anos de carreira, continua ainda hoje a fascinar-se com detalhes e texturas de corpos e objectos, trabalhando com alguma frequência os close-up.
Após uma breve para pausa, Gibson regressou em 2008 e brindou os seus admiradores e amantes da fotografia em geral com uma colecção de nús, revelando com a sua peculiar perspectiva que o p&b será sempre uma expressão contemporânea.
Miguel Baganha
1 comentário:
Em primeiro lugar, depois de recu-
perar a memória De Ralph Gibson |39posso apreciar o texto de gerl lou-
vor que lhe dedica. Não vejo, nem descobri nos textos de referência que algum surrealista tivesse liga-
do este autor ao movimento, onde a
fotografia proliferou pouco, visto só ter alcançado uma maturidade es-
tética de tipo experimental nos pe-
los anos 50, altura em que esta linguagem aprofundava o realismo, a
reportagem, e, num plano paralelo à
pintura, no onirismo e fantástico.
Fantástico que, em boa verdade não pratica: a seu apelo vai para si-
tuações surpreendentes e uma espé-
cie de recurso ao «gag»,arte pop e
cinema.
O que se pode apreciar em Gibson, mas em termos datados, vem da novi-
dade de efeito e norma, composição,
macro, arranjo insólito. Se os te-
mas podem surpreender, a formulação
é quase académica, encenada, tor- nando-se recorrente. Os objectos de
qualidade histórica revela que já descobrira a rebeldia (não Dada) e os truques que a publicidade criou.
Nessa altura, era um pré-moderno, aliás com alguma referência clássi-
ca, entre acenos e mergulhos no real, entre as multidões e outros
encontros. A ideal superação da realidade visual acontece no seu lado formal mais rebuscado,com al-
gum sarcasmo.
O seu americanismo californiano insere-se no tempo vivido, em acti-
vidade artística, depois de passa-
das as duas guerras mundiais, don-
de sairam tendências famosas, espe-
cialmente no foto-jornalismo e nas
grandes escolas do Leste e da Alemanha.
A «leica» fica-lhe a matar, aliás
declaradamente exibida no sentido
do «marketing».
Para o Miguel um louvor quanto à divulgação, mais notas que não ca-
bem aqui, escolhas de fotos.O seu
oaoel não é crítico e o homem não
é despiciente.
O seu post devia ter um título mais
incisivo e revelador.
Rocha de Sousa
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