quarta-feira, 28 de janeiro de 2009


ANOS 90,
A DÉCADA DO PÓS-MODERNO

Parte III - última parte













( Ghost - Rachel Whiteread, 1990 )

Na sequência do que já foi falado até aqui, a tradição do conceito minimalista também foi refrescada pela lufada do ar fresco que se respirava nos anos 90, dando lugar a uma nova tendência. Um dos responsáveis e defensores desta nova tendência, é indubitavelmente, Rachel Whiteread, que conquistou reconhecimento mundial em 1993 com "House", sendo a primeira mulher a vencer o "Turner Prize" nesse mesmo ano. Este apreensivo lado da tendência do novo minimalismo da arte de 90, coloca-se de parte dos análogos anos 60, centrando os seus princípios primariamente nas formas puras e nas cores primárias. Estávamos em 1996, quando Whiteread avançou com o projecto arrojado para a construção de um memorial em Viena, dedicado aos austríacos que foram vítimas do regime nazi. A ideia de Whiteread, - somente aprovada em 2000 - consistia num bloco colossal ( abaixo, à direita ) de granito, sendo as suas faces esculpidas com a forma de milhares de lombadas de livros. Uma óbvia referência aos livros que foram queimados sob as ordens do ditador fascista Adolph Hitler. O
memorial de Whiteread é assim como o fantasma de uma biblioteca ou a sombra duma tradição. À semelhança de todos os seus trabalhos, "House" e o seu "Holocaust Monument", são simples moldes de espaços negativos de objectos ou divisões - normalmente banais -, que depois se transformam em entidades palpáveis. Nas palavras de Whiteread: "elas são a impressão a negativo, - relíquias ou resíduos - daquilo que foram outrora, exibindo nas superfícies, vestígios legíveis da sua significação... são ambas, fantasmas fossilizados e exemplos físicos de um ossificado espaço negativo."
















Rachel Whiteread - Embankment

Tal ambiguidade, caracteriza a mentalidade desse fim de século, fazendo referências à história da arte, bem como a temas de ordem política e social. Na generalidade dos casos, as declarações dos artistas podem ser interpretadas em vários níveis, sendo difícil de determinar que posição está a ser tomada. Será que Gregory Green apoia ou denuncia o terrorismo com as suas "malas-bomba"?, Jake & Dinos Chapman criticam ou contribuem para o abuso de menores?... os monstruosos animais híbridos de Thomas Grünfeld condenam a manipulação genética?, e qual será o tipo de relacionamento entre Richard Billingham e a sua família? Estas e outras questões similares levantadas pela arte, foram, são, e sempre serão questões difíceis; senão mesmo: impossíveis de responder. A experiência de presenciar alguns destes trabalhos pela primeira vez, pode ser chocante, porém logo é superada, induzindo o espectador a reconsiderar as existentes ideias e conceitos.











À semelhança de Egon Schiele, Franz von Stuck e Edvard Munch e muitos outros artistas da viragem do séc.XIX, os artistas do final do séc. XX desafiaram os espectadores e quebraram tabus, de forma a incandescer a provocação na melhor acepção da palavra.









Assim é tudo: provocar a sociedade, levando-a a ponderar e reflectir sobre o seu próprio estado de existência.

Miguel Baganha

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009


ANOS 90,
A DÉCADA DO PÓS MODERNO

Parte II












( Your Manias Become Science-
- Barbara Kruger, 1997 )

Na deriva da liberdade de expressão, a arte vanguardista começava a explodir em manifestações espantosas. E por falar em explodir, é apropriado referir um dos artistas mais " explosivos " da vanguarda de 90. Gregory Green tornou-se conhecido pelas bombas manuais que fabrica. Os seus engenhos, exceptuando o facto de não incluírem explosivos verdadeiros, são completamente funcionais. Green, como a maior parte dos contemporâneos, procura apresentar um novo tipo de realismo: "ao exibir as minhas bombas numa galeria, eu confronto o facto delas poderem explodir: a obra implica uma ameaça para o visitante e para a instituição... o que está em jogo é o fascínio colectivo para a violência... por outras palavras, só estou a tentar expor essa tendência que é tão natural no ser-humano."
Do outro lado da moeda, está o jovem artista cubano Kcho ( Alexis Levya ), cujo centro das suas criações se baseiam em barcos. Kcho, usa materiais invulgares na elaboração destas instalações ou "assemblages", tais como; fragmentos de madeira, objectos diversos e todo o tipo de desperdícios que encontra ao longo da costa cubana.
Restos mortais de inúmeras tentativas fracassadas, que centenas de cubanos fizeram para escapar à tortura e privação que Fidel Castro provocou até há bem pouco tempo.


( Jake e Dino Chapman - Disasters Of War )

Numa temática diferente, encontram-se os irmãos Chapman. Estes dois irmãos, notabilizaram-se por retratarem nas suas esculturas, crianças com mutações sexuais. Jake e Dino, criaram um largo número de obras relacionadas com as famosas series "The Disasters of War" de Goya. A exposição The Chapmans - "Great Deeds Against The Dead" (1994), apresentou três soldados castrados e mutilados amarrados a uma árvore:por um lado, uma homenagem a Goya, por outro, um eventual apelo aos responsáveis pelas mutações das crianças inocentes, que vivem no nosso jardim das "Trágicas Anatomias".
Mutilações, também fazem parte do trabalho de Paul Finnegan. As suas bizarras esculturas , são na realidade transmogrificações de formas humanas, levadas quase ao extremo do sobrenatural. Se as obras dos irmãos Chapman recaem sobre o pesadelo da manipulação genética, então as esculturas e fotografias de Finnegan denunciam o negligente abuso de drogas alucinatórias.
Mutações, também desempenham o papel principal nas criações do artista alemão Thomas Grunfeld. As suas "Misfits", são criaturas híbridas que mais parecem saídas dum louco laboratório zoológico frankensteiniano. As macabras formas e a perfeição das montagens, contudo, não sugerem um taxidermista que enlouqueceu, ao invés, é uma chamada de atenção para a manipulação genética ou melhoramentos evolutivos inconcebíveis e inconsequentes.
O fascínio de Kiki Smith pela biologia, assenta, por outro lado, numa base completamente distinta da de Finnegan. As esculturas, instalações e desenhos desta artista alemã, são mais relacionados com a natureza, reflectindo a sua própria introspectiva na demanda duma identidade a nível socio-biológico. Em último caso, o trabalho de Kiki Smith, é acima de tudo sobre a experiência de sermos humanos, numa época em que a natureza está cada vez mais longe do natural: "eu não penso que o meu trabalho seja particularmente sobre arte. É na verdade, sobre mim... sobre eu estar aqui... aqui nesta vida, aqui nesta pele. Sinto que estou a canibalizar a minha própria experiência, aquilo que me rodeia... para mim, não há diferença entre viver e fazer o meu trabalho - não existe separação... eu penso que escolho o corpo como
tema, não duma maneira consciente, mas porque é uma forma que todos nós partilhamos; é algo com o qual todos têm a sua própria e autêntica experiência."














( Barbara Kruger )














( Jenny Holzer )

Identidade, é também o tema central da obra de Cindy Sherman neste período. Mas aqui, a investigação do seu Ser baseava-se mais no campo político. Tal como Barbara Kruger e Jenny Holzer, Sherman deu uma nova interpretação ao feminismo como sendo um conflito, não directamente entre homem e mulher, mas, mais como entre os poderosos e os não-poderosos. Neste contexto, ela foi ao encontro do mesmo tipo de universalidade que abrange a obra de Kiki Smith, os retratos genéricos de Thomas Ruff, as esculturas em madeira de Stephan Balkenhol, e ainda os retratos de família de Richard Billingham.






























Este último, permite aos espectadores ter uma visão vouyerista, por detrás do cenário quotidianico da sua problemática família, com o seu pai alcoólico, a mãe fumadora compulsiva e o seu perturbado irmão mais novo. A visão que temos, é efectivamente muito desconcertante e cheia de contradições. Em todo o caso, estas fotos estão longe de serem simplesmente um aspecto complementar da sua família, levando o espectador a pensar na sua própria vida doméstica, ao mesmo tempo que considera o tipo de relação que o artista terá com a sua família, ao ponto de lhe permitir tão revelador documentário fotográfico. Estes complexos retratos, são também sintomáticos da nova arte de 90, no qual o julgamento e a moralidade desempenham um papel secundário.

Tal como os "Nouveaux Réalistes" do início dos anos 60, Billingham e muitos outros apresentaram-nos uma realidade em directo, representada em todas as suas várias facetas sem julgamentos ou comentários.

Miguel Baganha

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009


ANOS 90,
A DÉCADA DO PÓS-MODERNO
Parte I












( Ninth November Night-
- Gottfried Helnwein-Berlim, 1996 )

A arte pós-moderna dos anos 90 foi caracterizada por uma mentalidade de fim de século, não muito diferente da que conviveu -especialmente na Europa- com o nascimento do Modernismo durante a transição do séc. XIX para o séc. XX.
Pelas mãos de artistas como o alemão Franz von Stuck e do austríaco Egon Schiele, a arte destes anos conturbados entrou na zona do tabu sexual, encurtando perigosamente a distância que separava o erotismo da pornografia.
O sedutor retrato de Eva e a serpente da autoria de Von Stuck, apropriadamente intitulado "The Sin" (1893) e o revelador auto-retrato de Schiele " Masturbating " (1911), ainda hoje continuam a chocar muitos espectadores.
Durante esta época, muitos outros artistas estavam em voga, como é o caso de Édouard Manet. O ano de 1863 mal tinha começado e Manet já tinha agitado a arte parisiense com as suas (para a época) escandalosas pinturas "Le Dèjeuner sur l' herbe" e "Olympia". Uns anos mais tarde, um jovem chamado Pablo Picasso provocava um franzir de sobrancelha ao público com o seu infame (agora famoso) retrato de um grupo de prostitutas nuas "Les Demoiselles d'Avignon" (1907). E na mesma linha, o "The Yellow Christ" de Paul Gauguin (1889), "Madonna" de Edvard Munch (1895-1902) e um pouco depois, Emil Nolde com "Dance Round the Golden Calf", - uma pintura que satiriza um tema bíblico - causava tumulto junto da Igreja, que se indignou declarando a pintura de Nolde como blasfema.














No decurso dos anos 90, os escândalos tornaram-se prática corrente e no topo da nova revolução sexual da arte contemporânea, estavam os artistas nova iorquinos Jeff Koons e Andres Serrano. Koons, através da escultura e de fotografias pornográficas de grande escala, retratava a si mesmo e à sua mulher, Cicciolina em várias posições e fases de sexo explícito, mantendo a linha tradicional estabelecida por Schiele 80 anos antes. Koons desenvolvia temas indiscutivelmente indecentes, senão mesmo obscenos. A série "Made In Heaven" do início dos anos 90 falhou ao chocar os amantes de arte, da mesma forma que o seu predecessor tinha feito através da sua imagem auto-erótica. E se Koons pode ser comparado com Schiele, seguramente que Andres Serrano pode ser visto em vários aspectos, como um artista renascido de Franz Stuck. Assim como as imagens eróticas de von Stuck se baseavam na mitologia e contos biblicos, o "Piss Christ" e a " History of Sex " de Serrano reflectiam os seus contemporâneos ao mesmo tempo que se referiam aos tradicionais temas clássicos.
Contudo, esta obra polémica com que Serrano encerrou o segundo milénio, foi caracterizada como algo mais do que uma simples provocação sexual. É uma obra multidisciplinar; incidindo sobre a política da preocupação ambiental, explora os aspectos biológicos do corpo humano e também uma
investigação de identidade individual dentro do contexto duma sociedade pós-industrial.
















Temas desta ordem, passaram a ser significativos e comuns à nova Avant-Garde.

Mas uma abordagem sobre a arte deste período estaria incompleta se não fosse mencionado o nome de Damien Hirst, que despontou em 1988 para a nova arte contemporânea britânica, com a lendária exibição "Freeze". A obra de Hirst é estereotipada no que concerne à arte dos anos 90, por levantar questões difíceis e complexas sobre a vida, morte e a existência humana em geral.











Hirst nunca exerceu uma postura moralista, ou apontou directamente o dedo a eventuais ofensas ou corrupções, preferindo explorar os paradoxos da vida numa sociedade pós-moderna, sempre com um sentido de humor e ironia próprios dum novo fim de século.

O seu trabalho mais controverso, um tubarão gigante-branco dentro de um tanque de formol "The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living", refere questões filosóficas sobre a vida e morte, enquanto o trabalho em si, joga com o choque e provocação. Esta obra, permite ao espectador desfrutar da beleza do animal e do que o rodeia ( um fluído esverdeado e luminoso ), ao mesmo tempo que o atinge com o hipotético perigo do tubarão, envolvendo todas as fobias humanas que estão inerentes a estes animais assustadores. Os seus trabalhos com animais conservados em tanques de formol, bem como as vitrines de vidro repletas de carne crua e moscas, abordam também, temas existenciais, que reflectem a mortalidade do Homem e o ciclo de vida.

Miguel Baganha