A REVOLUÇÃO DO DRAMA
"Não precisamos de furacões, não precisamos de tempestades. Porque todas as coisas assustadoras que eles fazem, nós também fazemos."
Bertolt Brecht
EUGEN BERTOLT FRIEDRICH BRECHT,
nasce a 10 de Fevereiro de 1898 em Augsburgo, filho de dois originários da Floresta Negra: Berthold, que ao tornar-se director de uma fábrica de papel perto de Augsburgo, garantiu à família (apesar de não dedicar afectos profundos) uma vida burguesa; e Sophie, protestante, que conseguiu impor a sua religião na educação dos filhos. Brecht escreveu em poema, por ocasião do falecimento de sua mãe, em 1920: "porque não dizemos as coisas importantes às pessoas antes delas morrerem?".
Na escola, Brecht era um um miúdo mal-comportado. No secundário, tinha um profundo desinteresse pela matérias repetidas pelos professores, mas apesar deste quotidiano monótono conseguiu sempre obter os valores mínimos para transitar de ano. É neste período que se volta para a poesia, começando a publicar alguns poemas num jornal local - sentia-se já um pulsar fora do normal nessas criações adolescentes.
A 1 de Agosto de 1914, a Alemanha declara guerra à Rússia. Brecht tinha então 16 anos, e nos primeiros tempos a sua atitude foi de um patriotismo fervoroso sem igual. Três anos depois, entra em Medicina na Universidade de Munique, e logo foi mobilizado para um hospital militar, no cumprimento do serviço militar obrigatório. Diante dos feridos e estropiados, criaturas moribundas que ele tinha de remendar apressadamente sob ordens superiores, para que fossem imediatamente reenviadas para a frente de batalha, toda a sua anterior paixão é trocada pelos actos heróicos em defesa da pátria. Foi nessa altura que escreveu a sua primeira peça «BAAL», com base numa celebração da sexualidade, tornando-se no seu primeiro grande êxito junto das plateias no início dos anos 20, e um dos seus poemas mais conhecidos «DIE LEGENDE VOM TOTEN SOLDATEN» («a lenda do soldado morto»), responsável pelo seu nome ser um dos primeiros inscritos na lista negra de Hitler.
Ainda em 1919, ano em que se associou aos ideais comunistas, regressou aos estudos em Munique, cidade que se diz a Paris do sul e a Florença do norte, e onde entretanto ocorrem os episódios revolucionários devido à tentativa de criação de um governo pró-soviético da Bavária. Munique tornar-se-ia o berço do nacional-socialismo (Hitler recupera aí um partido já quase inexistente, pelo qual ganhará as eleições e se tornará o Führer), contudo oferece prazeres diversos a um jovem com vocação de artista, que desvia o interesse da medicina para as ciências, em geral, e depois para a Literatura. Teatros, Ópera, cabarets, em todo o lado Brecht encontra inspiração para textos provocatórios, bem como para o seu gosto pelo canto e tendo sempre uma guitarra como companhia.
É nesta fase de boémia que o escritor se define como "artista comprometido": Fraülein Bie torna-se uma das primeiras mulheres na sua lista de paixões. Entre o folclore sobre a personagem do dramaturgo, logo surgem boatos sobre uma certa promiscuidade e os seus hábitos de higiene: há relatos de que certa vez a sua habitual barba-de-três-dias impediu-o de entrar numa festa em sua homenagem. Era, com efeito, um homem desapegado dos valores materiais e outras vaidades, valorizando sobretudo os momentos de uma boa conversa ou discussão.
Mais tarde, casou com Marianne Zoff, irmã de um amigo, também escritor, e torna-se líder da companhia Munich Kammerspiele. Em 1923, já a viver em Berlim, nasce a sua filha Hanne, e em 1927 divorcia-se de Marianne. No ano seguinte casa-se com a actriz Helene Weigel com quem terá os filhos Stefan e Barbara. Pode dizer-se que Helene foi a mais fiel e criativa das suas colaboradoras, não só pelo apoio total quanto aos meios humanos que ele precisava para escrever, mas também ao dirigir as suas peças com uma notável intuição, onde viria a encarnar, mais tarde, personagens emblemáticas como "Mãe Coragem" ou "Antígona".
No final dos loucos anos 20, quando os céus da Alemanha escureceram com as trevas duma crise económica nascida na América, Brecht começa a estudar «O CAPITAL» de Karl Marx, e transfere o tema central dos seus textos: antes, numa sociedade de hábitos burgueses, o homem era inimigo do homem, cada indivíduo era um predador do seu irmão; agora a vida reduz-se a uma luta pela sobrevivência perante um inimigo maior, massivo, monstruoso — a ditadura do dinheiro, o capitalismo. Em 1928, teve êxito com diversas obras, entre as quais a «ÓPERA DOS TRÊS VINTÉNS», numa memorável colaboração com o compositor Kurt Weill. O espectáculo é aclamado pelo trabalho de ambos e também pelo desempenho de alguns actores, como por exemplo Lotte Lenya. Dois anos depois é levada a cena, em mais uma colaboração com Weil ,a peça «ASCENSÃO E QUEDA DA CIDADE DE MAHAGONNY», reflectindo uma sociedade à beira do abismo — a República de Weimar — uma imagem que muito desagrada a quem nela se reconhece. Foi num dos temas musicais desta obra que a banda rock «The Doors» se inspirou para o seu "Alabama Song".
Em 1933, o nível de desemprego (6 milhões) tinha disparado na Alemanha, e assim estavam criadas as condições para Hitler subir ao poder, iludindo muitos alemães, o resto da Europa e a América com as suas medidas populistas e um racismo transfigurado na harmonia atlética e loira que passava constantemente nas imagens criadas pelo seu dispositivo de propaganda. Neste mesmo ano, depois de levar à cena «A MÃE» (baseada num romance homónimo do russo Máximo Gorki), Brecht deixa o país com a mulher e os dois filhos de ambos, prevendo que iria ficar longe de casa por cinco anos — na verdade só pôde regressar ao fim de 15. Depois de uma breve passagem pela Suiça, cidade que lhe deixa uma terna memória de manhãs com amigos lendo jornais ao ar livre, a família fixa-se em Svedenborg, na ilha de Fyn, (Dinamarca) até 1939, e em seguida num lugar remoto na Finlândia, onde o escritor se sente muito longe das pessoas, das discussões, da agitação cosmopolita. No entanto, neste lugar ermo conseguiu criar peças que o celebrizaram, como por exemplo; «GALILEU» (Leben des Galilei) e «MÃE CORAGEM» (Mutter Courage und ihre Kinder).
Em 1941, os Brecht mudam-se para os Estados Unidos da América, cujas fabulosas fantasias sobre fascínio dos grandes espaços e a frenética criatividade artística em todos os géneros e todas as linguagens alimentaram Bertolt na adolescência, como aconteceu com todos os jovens artistas alemães do pós-Grande Guerra. Aqui, ele tentou iniciar uma carreira de argumentista em Hollywood, mas a indústria não estava muito interessada nas suas ideias experimentais para cinema. Além disso, depois de 1945, com a Europa dividida e a América mergulhada num cego anti-comunismo, facilmente associaram Brecht com "actividades anti-americanas" (expressão que em Inglês do Novo Mundo, em época de caça-às-bruxas, designa a propriedade de quem é pró-comunista). Inevitavelmente, o degredado escritor vê-se obrigado a regressar a casa, e a escolher entre duas Alemanhas.
Desta feita, no ano de 1948, fixa residência em Berlim Leste (mais tarde conhecida com República Democrática Alemã) onde viria a fundar a companhia Berliner Ensemble, tornando-se no centro de encenação das suas peças. Não demora muito até que Brecht perceba o abismo entre a vida num país estalinista e o que ele sonhara para um estado comunista: a sua ideia sobre o comunismo assentava na crença de que esta seria uma alternativa ao fascismo militarizado. Ainda assim, na Primavera de 1955, foi a Moscovo receber o «Prémio Lenin da Paz».
Nos meses que antecederam a sua morte, Brecht passou a admirar mais a serenidade e confiança de Marx, Engels e Lenin, por estes terem defendido os seus ideais, em tempos turbulentos, no passado. Começa a sofrer do coração e torna-se impaciente: quer ver novamente em cena a peça «GALILEU», nem que leve anos a mostrar nela o que ele deseja. Vai trabalhar pela última vez no dia 10 de Agosto de 1956 e morre, de trombose, quatro dias depois. Conforme o seu pedido, foi enterrado no cemitério Dorotheen, perto de casa e junto de um filósofo que foi seu ídolo, Hegel.
Sobre a firmeza das suas utopias, da sua fé imortal na liberdade, um dia Brecht questionou: "Como é que a tília pode entrar numa discussão com alguém que não faz outra coisa senão culpabiliza-la por ela não ser um carvalho?".
Miguel Baganha